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  • Fabio Juliate

A teoria do adimplemento substancial aplicada ao processo penal

Criados mediante previsão Constitucional (art. 98, I) e disciplinados na Lei nº 9.099/95 (arts. 60 e seguintes), os Juizados Especiais Criminais (JECRIM) marcaram um ponto de grande evolução no processo penal brasileiro, trazendo consigo medidas despenalizadoras e desencarcerizadoras.

O JECRIM tem competência para realizar a conciliação, julgamento e execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, estas que a própria Lei 9.099/95 define como as contravenções penais e os crimes que possuem pena máxima cominada em lei de até 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

Trataremos acerca da suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/95.


A suspensão condicional do processo, também chamada de sursis processual, poderá ser proposta pelo Ministério Público, no momento da denúncia, ao réu acusado de crime em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, independentemente de ser de competência do JECRIM. Para que o Ministério Público possa propô-la, o acusado não poderá estar sendo processado ou ter sido condenado por outro crime, devendo, ainda, observar os requisitos previstos no art. 77 do Código Penal. Cumpridos os requisitos, a propositura da suspensão se torna uma obrigação do Ministério Público.


Caso o réu a aceite, o juiz poderá determinar a suspensão do processo pelo prazo de 2 a 4 anos, no qual o acusado será submetido ao chamado período de prova, devendo cumprir as condições impostas pelo magistrado.


O art. 89 da Lei 9.099/95, em seu parágrafo 1º, lista as condições a serem aplicadas, porém, note-se que o rol não é taxativo, uma vez que o § 2º do mesmo artigo informa que o juiz poderá especificar outras condições.


Passado o período de prova sem que o acusado tenha descumprido o que lhe foi imposto, o processo é extinto como se nunca tivesse existido. Porém, existem algumas situações que podem causar a revogação da suspensão condicional.


O juiz deverá, obrigatoriamente, revogar a suspensão condicional no caso de o réu ser processado por outro crime ou não reparar o dano sem justa causa e, facultativamente, revogar a suspensão no caso de o réu ser processado por contravenção penal, ou descumprir outra condição imposta.


Ainda que a lei preveja, de forma incisiva, as causas de revogação obrigatória, não deverá o magistrado realiza-la automaticamente. Ocorre que, ainda que haja audiência de justificação e esta não seja satisfatória ao juiz, poderá haver revogação, cominando com a continuidade do processo e a possibilidade de condenação.


Discute-se, então, a razoabilidade da revogação da suspensão condicional do processo, ainda que descumpridas as condições sem a controversa justa causa.


Temos que a suspensão condicional do processo é, basicamente, uma relação de cunho obrigacional mais próxima do que se encontra no direito contratual do que propriamente no direito processual penal, vislumbrando-se, assim, que o acordo entre o Ministério Público não deve ser satisfatório apenas a este, mas deve cumprir com sua função social, bem como não estar eivado de onerosidade excessiva para o réu.


Dessa forma, surge a possibilidade da aplicação da teoria do adimplemento substancial no processo penal.


De acordo com Elissane Leila Omairi[1], “ocorre o adimplemento substancial quando a prestação for essencialmente cumprida e, assim, os interesses pretendidos pelo credor serão satisfeitos. Nessa situação, o instituto resolutório é afastado em virtude do proveito da prestação pelo credor e também os efeitos produzidos pela resolução seriam injustos.”


Tal teoria tem sido aplicada no direito brasileiro sob orientação do Enunciado n. 361 CJF/STJ, a fim de balizar o entendimento do art. 475 do Código Civil, que permite a resolução forçada do contrato em razão do inadimplemento voluntário. Dessa forma, aquele que for inadimplente em um contrato, porém, o tenha cumprido com parte muito próxima daquilo que se esperava, terá resguardado seu direito de não sofrer com a resolução.


Trata-se de nada mais que a aplicação dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato.


Importante dizer que, durante o cumprimento da suspensão condicional do processo, o acusado ainda não foi condenado a crime algum, portanto, não se trata de um cumprimento de pena, embora seja mais uma forma de controle social. Ademais, como ensina Carnelutti[2], “quando um homem está sob a suspeita da comissão de um delito, já se encontra atirado às feras”, portanto, o período de prova, por si só, já constitui forma de repreensão.


Não é razoável ou proporcional que, a título de exemplo, o acusado que não cumpra com as últimas parcelas de reparação financeira que lhe fora imposta, ou mesmo que deixe de comparecer em juízo em parte do período acordado, tenha a suspensão revogada sem que se considere aquilo que efetivamente já tenha cumprido. Ainda, uma vez que o inadimplemento foi insignificante, a parcela do período de prova já cumprida atinge o fim que se pretendia com a suspensão, não havendo que se falar em prejuízo pelo não cumprimento em sua totalidade.


O magistrado da cidade de Niquelândia/GO, aplicou, em 2017, a teoria do adimplemento substancial em caso no qual o pedido ministerial foi pela revogação da suspensão condicional do processo de acusado que deixou de cumprir apenas uma parcela, de um total de dez, de condição que determinava doação de valores pecuniários[3].


No mesmo sentido, decidiu o TJ-RS em 2012, que, em situação semelhante, decidiu que, “na espécie, houve substancial adimplemento das condições e, tratando-se de hipótese de revogação facultativa do benefício, ficava a critério da Magistrada revogá-la ou não” (TJ-RS – RC: 71003990355/RS).


Temos, portanto, que, é plenamente cabível a teoria do adimplemento substancial no processo penal, uma vez que coaduna com os princípios contidos no próprio processo penal, bem como com as diretrizes contidas na Lei dos Juizados Especiais, trazendo à tona os princípios da celeridade processual, bem como da proporcionalidade e razoabilidade.



[1] OMAIRI, Elissane Leila. A Doutrina do Adimplemento Substancial e a sua Recepção pelo Direito Brasileiro. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/20/64/2064/>. Acesso em: 03/08/2018.


[2] CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. 3. ed. Leme: CL EDIJUR, 2017.


[3] Juiz aplica Teoria do Adimplemento Substancial para julgar extinta punibilidade de réu. Disponível em: <http://www.tjgo.jus.br/index.php/home/imprensa/noticias/119-tribunal/16407-juiz-aplica-teoria-do-adi.... Acesso em: 03/08/18.

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